Mãe, mulher, jornalista e repórter da TV Câmara de João Pessoa. Escritora de crônicas nunca publicadas.
Mãe, mulher, jornalista e repórter da TV Câmara de João Pessoa. Escritora de crônicas nunca publicadas.
Não dá pra deixar mensagem de amor pra amanhã
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Confinada há mais de um ano, me sinto uma idiota útil. Desde março do ano passado quando a pandemia chegou violenta no Brasil, meus dias se resumem a sentir medo, angústia, ansiedade, a chorar diante dos noticiários e ficar impressionada com a disposição dos que fazem festa nesse cenário de guerra. Na quarentena do fim do mundo. Eu, a exemplo daqueles com quem divido a vida com mensagens e até ligações, alterno em “dias bons” e “dias ruins”.

Tem dias que até acordo disposta e produtiva, mas devo confessar: ando mais distraída e errante. Nesses dias mais frequentes, escrevo mil textos de aproximadamente três linhas, faço uns vídeos pra TV — que só me animam quando o assunto é vacina —, me arrisco em arrumar um armário, o que deixa todos os objetos ainda mais difíceis de serem encontrados, vejo um filme por no máximo sete minutos e me rendo ali pelas 5 horas da tarde ao comportamento bovino e passivo do noticiário e das redes sociais.

Tudo que eu tenho feito com dignidade se resume a pratos, roupas e pisos lavados diariamente, e a minha paixão platônica pelo Guga Chacra que só cresceu. Me sinto uma idiota útil incapaz de fazer qualquer atividade física diante do smartphone ou ‘aproveitar esse tempo’ pra fazer um filme com o celular, escrever um conto, estudar psicanálise, aprender inglês, ensinar a minha filha. Também me sinto incapaz de terminar alguns livros que faltavam pra não passar vergonha nas conversas com os amigos — que saudades das rodas de conversa. No máximo tenho feito posts no Instagram insultando o presidente, cantarolado músicas dos anos 80 diante da TV e do celular, e sigo torcendo pra que esse vírus impiedoso e democrático nos faça enxergar que a desigualdade nesse país é obscena e diz muito sobre todos nós.

Mas eu não estou só. Nesse Abril despedaçado, quando você abrir essa coluna, você poderá estar também angustiado, deprimido, dormindo mal e, principalmente, com medo do futuro — ou pior, da ausência do futuro.

Em um ano de pandemia, lembro do 1 de Abril como lembro do 11 de setembro com todos os detalhes — escrevo essa coluna, de retinas cansadas, enquanto lamento as mais de quatro mil mortes desse dia. Então não me surpreende pensar que quando você abrir essa coluna talvez esteja chorando, assim como eu, ou não, você poderá estar ouvindo os Novos Baianos cantarem “Acabou Chorare”— para mim, um verdadeiro ansiolítico — mas poderá também estar esperançoso, ou mesmo mergulhado no pessimismo.

Eu, aqui da minha quarentena privilegiada — porque tenho casa, comida e emprego — não sei nada a seu respeito, mas sei, e é sobre isso que me arrisco: você também está em casa. Em casa. Seus amigos, se não forem médicos ou qualquer um daqueles trabalhadores essenciais também estão em casa, assim como seu maior desafeto ou seu primeiro amor.

Seu irmão, seu chefe, seus avós, tios e tias, seu contador, contatinho, seu cabeleireiro, cantor favorito, todos, a não ser que façam parte desse front farmácias/hospitais/supermercados, estão, ou deveriam estar, em casa.

Estamos em casa. Cada um na sua. Nunca estivemos tão longe uns dos outros, tão apartados, tão separados, e, por incrível que pareça, nunca tivemos tanta chance de estar perto.

O tempo ganhou mais tempo, mudou de tempo e não dá pra deixar nada para amanhã.

Por isso, se você não estiver feliz — Feliz, não, porque feliz é muito —, eu espero que você esteja sereno, em paz, sentindo-se forte, capaz de “dar conta” desses dias infinitos, dessas horas inacabáveis e da falta de possibilidades. Desde que a normalidade foi cancelada, “dar conta” passa a ser, o novo “ser feliz”.

Você que me lê agora, já deve ter entendido — caso contrário, nem estaria aqui, resistindo nesse último paragrafo — que a Covid-19 é cruel e ainda vai levar muitos de nós. Mandar mensagens para os amigos, escrever uma carta, pedir perdão, perdoar, elogiar uma criança, acertar, dizer o quanto aquela pessoa foi importante pra você, ter coragem de amar de verdade é mais do que limpar a casa, maratonar livros, fazer exercícios diante do celular. É chegada a vez de retornar mensagens e fazer declarações sinceras, mesmo que sejam duras. Ao que tudo indica, a vida, perdeu a validade e o único sentido agora é ser tão grande quanto se alcança ser. Não dá pra deixar mensagem de amor pra amanhã. Estamos em casa, mas as nossas palavras podem ir a qualquer lugar.

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