Anderson Pires é formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, publicitário e cozinheiro.
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Não é fácil tirar um fascista do poder
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Foto Agência Brasil

A eleição para presidente do Brasil é o melhor espelho do brasileiro. Diferente do que se convencionou como características do nosso povo, na hora do voto é que os pecados são confessados. A ideia de pluralidade, de democracia, de liberdade sexual, de um povo alegre e acolhedor que respeita a diversidade religiosa não se sustentam na hora de votar. 

Temos um povo dividido. Mas a divisão não é segmentada por classe, como se poderia deduzir. A expressão política do brasileiro revela que as bases que dividem o Brasil são de cunho cultural, moral e extremamente influenciadas pelo cristianismo. Não o de Jesus Cristo, mas o de Constantino, que na verdade foi um dos mais inteligentes movimentos políticos da história, sem contar que, por tabela, criou o merchandising, com a franquia mais próspera e duradoura da história: a igreja.

O Brasil é um ajuntado de contradições. Como Tim Maia definiu tão bem: “este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita”. 

O país do futuro, na verdade, está preso a preconceitos que não lhe permitem avançar no que tange a conceitos que possam romper com sua cultura escravagista e de extrema concentração de renda, que segrega socialmente pelos mais diversos motivos. Da cor da pele ao gênero, da orientação sexual à opção religiosa, tudo aquilo que represente algum ato de civilidade mais libertário se arrasta em meio à ignorância que impera no país. Disso se aproveitam os agentes neopentecostais para ocupar o espaço do Estado e formar servos. Em paralelo, o crime organizado empreende entre os mais pobres e se transforma em gerador de ocupação e renda.

O Brasil é uma síntese do que escreveu Nelson Rodrigues e Celso Furtado, com alguns pequenos focos progressistas de cunho identitário. No livro Formação Econômica do Brasil, Celso Furtado termina assim: “…o número de habitantes do país haverá aumentado, ao término do século (XX), para mais de 225 milhões. Sendo assim, o Brasil por essa época ainda figurará como uma das grandes áreas de terra em que maior é a disparidade entre o grau de desenvolvimento e a constelação de recursos potenciais”.

Em suma, as bases para um Brasil fascista sempre estarão latentes enquanto esse conjunto de valores que forma sua base social permanecer e servir para perpetuar as disparidades econômicas, que se refletem nas condições mínimas de dignidade da população.

O Brasil agrário e escravagista, o Agro, que muitos consideram exemplo de avanço econômico e tecnológico, serve na verdade para condenar o país a ser esse celeiro de desigualdades, que tem amparo moral na formação cultural e política do seu povo. Não existe maior disparidade que um país produtor de alimentos suficientes para alimentar 1 bilhão e 300 milhões de pessoas, seis vezes a sua população, tenha diariamente quase 40 milhões sem o que comer e outros 80 milhões inseguros em relação ao que comerão.

Um país que aceita absurdos como esse, não me parece estranho ter um presidente como Bolsonaro. Muito menos me impressiona que seja difícil tirá-lo do poder em eleições democráticas, que serão realizadas nesse ambiente de pobreza e presença marcante das instituições que fomentam a desigualdade: igrejas, políticos conservadores e uma economia primarizada.

Leia também: Voto no Lula, e o motivo não é o Bolsonaro

Para muitos, uma vitória de Bolsonaro nas próximas eleições seria um estelionato eleitoral, nos mesmos moldes que já vimos na época do Plano Cruzado. Naquele episódio, foi vendido o controle inflacionário de forma brusca como a solução para os problemas das classes baixas e médias que não conseguiam manter o mínimo de consumo diante da escalada da inflação. 

O engodo que o PMDB criou garantiu vitórias de Norte a Sul no Brasil. Passada a eleição o desastre econômico colocou o país em situação pior que antes do plano. A conjuntura criou as condições para que um suposto salvador da pátria, Collor de Mello, ganhasse as eleições, com a conivência e apoio das elites escravocratas, mas, também, com o voto popular dos mais pobres.

Esse mesmo golpe à democracia, que é feito com medidas eleitoreiras para convencer os mais pobres, Bolsonaro aplica mediante ações como o Auxílio Brasil, Vale Diesel, Vale Gás e redução de impostos estaduais. Por mais evidente que a intenção seja  conquistar voto, que a medida seja agravada por ter data para acabar após as eleições,  não podemos achar absurdo que tenha quem embarque nessa farsa.

Os privilegiados já votariam em Bolsonaro de qualquer maneira, independente de todos os problemas que existem no país e dos ataques à democracia e aos direitos humanos. Os motivos para esse voto são os mesmos de quando o Brasil era colônia, do que já tratamos aqui. Fica claro que todas essas medidas têm como alvo os miseráveis que se espalham por todos os recantos, ruas, sinais e rincões.

Muitos podem questionar: mas é tão evidente que as medidas de Bolsonaro são eleitoreiras, como algum pobre ainda é capaz de votar em decorrência disso? Não se pode cobrar coerência e discernimento de quem não sabe se estará vivo no dia seguinte. Imagine um exército de quase 120 milhões de pessoas vivendo sem qualquer perspectiva, chegar a dezembro vivo e de barriga cheia é o máximo que podem vislumbrar em termos de futuro.

Pessoas com esse grau de vulnerabilidade dificilmente irão projetar suas vidas para além da necessidade imediata e objetiva. Logo, estão suscetíveis a dar crédito em forma de voto para quem parecer o responsável pela sua vida no dia seguinte. Isso é o suficiente para Bolsonaro ser eleito? Não.

Porém, diante das razões históricas expostas e do grau de vulnerabilidade do público, fica clara a dificuldade para se ganhar uma eleição contra quem se atrela aos valores mais enraizados na formação político-cultural do povo brasileiro. Entender essas nuances, que estão por trás de tantas manifestações de intolerância, preconceito e total falta de empatia com os mais pobres, revela que o fascismo ainda é uma ideia muito latente entre parcela significativa do eleitorado.

Ganhar as eleições para presidente no Brasil nunca será tarefa fácil a quem de alguma forma confronte questões tão arraigadas no seu povo. Por mais moderado que Lula seja, ainda é o que de mais progressista podemos alcançar, para confrontar o conservadorismo e os preconceitos tão fortemente arraigados.

É preciso entender que as eleições serão acirradas. Vale lembrar que Lula e o PT nunca venceram no primeiro turno, mesmo com aprovações altíssimas dos seus governos. Derrotar Bolsonaro é parte de uma luta secular que está longe de acabar. O fascismo é parte da cultura brasileira. Não é uma lenda ou apenas debate retórico, está nas raízes históricas do Brasil.

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