Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
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Neymar e mais dez
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Na equipe do PSG são Neymar e mais dez; craque foi autuado em R$ 188 milhões pela Receita Federal (Foto: Reprodução/Twitter/PSG)

Arrancou sozinho nas costas dos defensores. Eram só o atacante e o goleiro, cara a cara, numa posição que ele não costuma perder. Olhando para trás, o time adversário já contava com o gol feito, e a partir dali teriam que correr mais para recuperar o prejuízo. O improvável aconteceu. Aquele lance ficaria marcado na história pelo feito perdido, em vez do mérito de quem se adiantou a fechou o ângulo. A narrativa costuma evidenciar os protagonistas. Da mesma forma, minutos depois, ele perdeu outro lance onde teve a oportunidade de chutar direto ou cruzar para um companheiro. Não fez nem uma coisa, nem outra. 

O duelo de Neymar na conquista da classificação do PSG para as semifinais da Liga dos Campeões se desenhava para o fracasso. Do outro lado estava um Atalanta bem encaixado e extremamente motivado. Parecia que o craque brasileiro estava zicado, e ficaria marcado naquele dia pelos gols perdidos. E após o gol da equipe italiana, o resultado era ainda mais pragmático. 

A memória vista apenas a partir de um punhado de números seria extremamente injusta. Quem assistiu ao jogo pôde ver o quanto Neymar era o melhor em campo independentemente do resultado, com toques desconcertantes, passando vez por outra no meio de dois adversários, chutando direto e também deixando companheiros na cara do gol. Era Neymar e mais 10, mas, sozinho, ninguém ganha em esportes coletivos. 

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Uma mudança completa no ataque e o time francês foi outro do meio pro fim com a entrada de Mbappé, Draxler e Choupo-Moting. Neymar seguiu em alto nível até o apito final e participou dos dois gols do PSG. No segundo, especialmente, com um passe de gênio para Mbappé. Um passe daqueles, meus amigos, não é sorte. E por mais contestado que seja fora de campo, dentro das quatro linhas ele está entre os melhores do mundo. 

Nas redes sociais, o nome de Neymar foi o mais comentado desde a manhã da quarta-feira (12) até o final da partida. Como tudo no Brasil, há política e polarização envolvidas, e em torno de Neymar não seria diferente. No Twitter, uma verdadeira guerra digital foi travada entre os defensores do jogador pedindo o modelo moicano no cabelo e caixa de som nas mãos, aquele jogador moleque que só não fazia chover quando entrava em campo vestindo a camisa do Santos. 

Na oposição ao craque brasileiro, os militantes de plantão aproveitaram para levantar o histórico bolsonarista de Neymar com diversas fotos dele ao lado do presidente Jair Bolsonaro e seus filhos. 

Neymar dificilmente será um Sócrates, que usou sua voz para combater injustiças sociais. Assim como também fazem até hoje Casagrande e Raí, e se tornaram ícones do esporte, lembrados também por sua postura antifascista. Esperar de um jogador mais do que ele pode entregar é injusto. E diante de uma atual cultura de cancelamento, o público busca erros do passado para inviabilizar tudo o que a pessoa pode vir a fazer. É um erro contra Neymar, e contra todos os que ajudaram de alguma forma a eleger Bolsonaro. Vale condenar quem, apesar deste desgoverno, se mantém como defensor do presidente. 

É na discussão que se viabiliza a mudança, e se for mantida a polarização, tudo fica como está. Para a retomada de um governo progressista, acolher em vez de atacar quem fez a opção pelo atual presidente e percebeu que não foi uma boa escolha é imprescindível. Neymar pode continuar a ser bolsonarista, pode assumir uma postura antifascista, ou pode até não querer mais sequer tirar fotos com políticos. Se a sociedade quer cobrar algo dele, que sejam os R$ 188 milhões devidos à Receita Federal. Atirar pedras por conta de um voto passado não ajuda a construir um futuro melhor.

Texto publicado na edição de 14.08.2020 do jornal A União

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