Qual a lógica de um eleitor de Bolsonaro aplaudir a vitória de Fernanda Torres? Podem levantar todas as teses, mas não existe uma definição que pareça razoável para esse tipo de atitude. Tem quem justifique como um processo de dissonância, outros dirão que é distopia, terá quem justifique como loucura e até mau-caratismo. O certo é que não tem nada certo sobre tamanha incoerência.
Vi diversas manifestações de bolsonaristas emocionados com a conquista do Globo de Ouro por uma brasileira. Pessoas que passam boa parte do seu tempo pregando o conservadorismo, justificando o extermínio em Gaza, atacando leis de incentivo à cultura, batendo palmas para o autoritarismo e afirmando que não existiu ditadura. Mas o filme tratava da ditadura e todas as mazelas oriundas. Assim como, a atriz, Fernanda Torres, sempre se posicionou fortemente contra Bolsonaro e suas ideias.
As contradições presentes em atitudes como essa parecem indecifráveis. Mas coerência não é o forte da humanidade, afinal a construção social passa por valores que podem ser conflitantes, como o debate sobre ética e moral, princípios e preconceitos, objetividade e subjetividade.
O caso Fernanda Torres é apenas um exemplo, mas temos distorções em todos os campos. É reconhecido por todos que o período de maior crescimento econômico no Brasil se deu nos governos Lula 1 e 2. Era de se esperar que os grandes capitalistas desse país apoiassem amplamente a manutenção do projeto petista. Afinal, a ética do capital tem como premissa lucrar, ganhar dinheiro. Porém, a moral capitalista não aceita que esse tipo de ganho seja oriundo do sucesso de um trabalhador no poder. O que vimos foi um derrame de investimentos de quem mais ganhou nos governos Lula para eleger Aécio Neves e derrotar Dilma.
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O mesmo aconteceu com o agronegócio. Os governos petistas foram os que mais investiram e abriram fronteiras para os produtos brasileiros. Lula se vangloria de ter recordes sucessivos nos recursos destinados aos Planos Safra, mas nem por isso os latifundiários brasileiros passaram a apoiar seu governo. Pelo contrário, foram os principais financiadores de Bolsonaro e existem fortes indícios de que bancaram a tentativa de golpe no 8 de janeiro de 2023.
É esdruxulo esse tipo de comportamento que atenta contra o que deveria ser objetivamente motivo para se posicionar politicamente. Mas o campo da subjetividade acolhe sentimentos contraditórios. Isso vale para política, para as relações e para os mais diversos aspectos na vida. Estão enraizados.
Tem uma frase de Maquiavel, que diz: “Os preconceitos têm mais raízes do que os princípios.”. Talvez seja a forma mais razoável para interpretar comportamentos como o de alguém que apoia políticos que defendem a tortura e a ditadura, mas batem palmas para vitória do filme Ainda Estou Aqui, com o prêmio de melhor atriz no Globo de Ouro para Fernanda Torres.
Esses podem até ter alguns segundos de catarse, principalmente quando ela é coletiva, mas as amarras dos preconceitos continuarão fortes, quase inquebráveis. Os que ontem se emocionaram com a vitória de uma história que querem negar existir, amanhecerão conservadores, com os perfis cheios de frases bíblicas e embalados pelo mais novo hit do Gustavo Lima.