A torcida do Flamengo não é chamada de “Nação” à toa. É o time com a maior disseminação de torcedores do país. Mesmo que se conteste o total diante do Corinthians, é inegável que aonde se for, no recanto que seja, nas cinco regiões, haverá ali um rubro-negro doente, capaz de matar e morrer pelo time.
O Flamengo é o único clube de futebol a mexer com os ânimos da nação brasileira inteirinha, mesmo que por reflexos, devido à proporcionalidade. Para quem não se lembra ou não viu o timaço de 1981 com Zico, Andrade e Junior, o ano de 2019 está fresco na memória. Assim como o outro, este que quase conquistou o mundo jogava pra frente e reacendeu o orgulho do brasileiro por seu futebol alegre. Por todos os lados estavam flamenguistas e simpatizantes felizes com os feitos do elenco. Houve até quem comparasse este mais recente com os imortais da década de 1980.
É justamente por ser tão grandioso e por alcançar tantos brasileiros que o efeito das decisões políticas da atual diretoria do Flamengo causam tanta discórdia na opinião pública, independente de torcida.
O contrato de patrocínio fechado entre o Flamengo e a Havan dividiu torcedores não apenas porque o proprietário da Havan, Luciano Hang, é apoiador ferrenho do presidente Jair Bolsonaro. A discórdia parte de dois pontos: o tamanho do Flamengo para o Brasil e tudo o que a Havan representa no cenário da pandemia de covid-19.
A Havan que fechou com o Flamengo é a mesma que assinou contrato de patrocínio com o Vasco da Gama. No caso do Vasco, mesmo que tenha havido protestos de torcedores, a dimensão do negócio não se compara.
Também é notório que a diretoria do Flamengo vem usando sua influência para uma aproximação política absolutamente divergente do âmbito esportivo. Foi no treino do Flamengo que o presidente da República e sua comitiva fizeram em janeiro uma visita surpresa, com a conivência de diretores e atletas.
São comportamentos e decisões políticas que, na sequência dos fatos, projetam no Flamengo um comportamento conservador destoante para qualquer instituição desportiva. Patrocínio, visita presidencial, acordos judiciais esdrúxulos com familiares que perderam seus filhos em um acidente dentro do clube.
O Flamengo político é o oposto do Flamengo dentro de campo, e cada vez mais as ações do primeiro corrompem a imagem do segundo.
No caso do patrocínio da Havan, quem primeiro cantou a bola foi Juca Kfouri, em seu blog, quando disse que o Flamengo havia criado o “patrocínio insalubridade”. O jornalista considera que para o tamanho das duas instituições, por mais que se pague um valor alto, é muito mais vantagem para a Havan ser associada ao Flamengo do que o contrário.
Nada de novo, na verdade, pois é assim que funciona o capitalismo e a cessão de espaços publicitários. Se fosse pra vender somente a comprador bom, estariam todos falidos.
Mas é preciso ressaltar que a queixa contra o dono da Havan vai muito além do simples bolsonarismo. Luciano Hang é um negacionista da pandemia de covid-19, defensor do kit covid e chegou a vender produtos alimentícios em suas lojas para burlar a legislação e se enquadrar no gênero dos serviços essenciais. Mais que parceiros de negócios, o Hang de sempre e o Flamengo de hoje se merecem. O torcedor rubro-negro não merece nada disso.
Texto publicado originalmente na edição de 14.05.2021 do jornal A União