“Minha vontade é encher a tua boca com uma porrada”, bradou o presidente da República, Jair Bolsonaro, no domingo (23), em resposta à pergunta de um repórter do jornal O Globo. Incômoda, difícil de responder, sem explicação. “Presidente, por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa?”, questionava o jornalista. Dizem que tirou o chefe de Estado do sério pela insistência na questão familiar. Nada justifica a violência contra o profissional de imprensa. É típico de quem cultua ditadores e regimes autoritários. E totalmente previsível vindo de Bolsonaro.
Engana-se quem acredita no discurso de que ele “é humano, não aguentou e estourou, como qualquer um faria”. Acredito que até as agressões de Bolsonaro sejam calculadas. Em outros momentos, a grande mídia nacional se postaria ferida e unida diante de um atentado contra a liberdade de imprensa praticado pela maior autoridade do Poder Executivo no país. Ele não está à altura do cargo. Nunca esteve, nem quando era candidato. Todos sabem e poucos se importam.
Desta vez, a ala progressista que trabalha no meio da comunicação reagiu de forma cirúrgica. É que quanto mais alto e absurdo for o grito de Bolsonaro, mais perto estão do seu rabo. A quebra de sigilo que expôs a situação bancária da primeira-dama pôs a República em xeque. Não há mais como dizer que Bolsonaro não é corrupto. Esta era a última trincheira dos bolsonaristas.
Exatamente por isso, sempre que há uma crise por vir, ele fala algo completamente descabido, agressivo, com a intenção de roubar para sua persona as manchetes e assim esconder seus feitos. Não deu certo, e a pergunta “Presidente, por que Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz e esposa?” foi repetida milhares de vezes, como um sonoro eco na imprensa e nas redes sociais digitais.
No dia seguinte, Bolsonaro partiu novamente para a agressão. Chamou jornalistas de “bundões” durante uma coletiva de imprensa. Tarde demais, seu movimento tático já havia sido antecipado. Não rendeu a visibilidade que o presidente almejava, e a pergunta que tanto o incomoda continua a ser feita.
Na quinta-feira, dia da tradicional live promovida pelo presidente, estava em seu roteiro dar um ponto final a esta questão. Não se sabe qual era a estratégia da comunicação do presidente. A orientação tornou-se pública e depois viralizou na internet por conta da desistência de Jair, ao vivo, quando risca de caneta o tópico na folha onde estavam escritos os pontos a serem abordados durante aquela transmissão ao vivo. É um troglodita completo. No vídeo abaixo é possível ler o documento.
Ontem mandaram Bolsonaro responder a pergunta, mas ele riscou da pauta. Então vamos perguntar de novo: @jairbolsonaro, por que a primeira-dama, Michelle, recebeu R$ 89 mil em depósitos de Fabrício Queiroz? pic.twitter.com/IurJu5Zx2e
— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) August 28, 2020
Se não conseguiu desviar o assunto com suas bravatas, ao menos Jair Bolsonaro respirou um dia tranquilo com a imprensa toda voltada para a decisão da Justiça que afastou do cargo o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Apesar de a suposta rachadinha ter esfriado, a pergunta continua sem resposta, e por isso foi motivo de mais uma piada contra o presidente por parte do humorista Bruno Sarttori.
Já era esperado que a imprensa e as pessoas contrárias a este governo insistissem na pergunta. Agora é hora de os ditos moderados, “cidadãos de bem” e demais categorias que ajudaram a eleger este projeto de Brasil sob a falsa premissa de fim da corrupção cobrarem junto. E se lhes resta alguma dignidade, que cobrem também das lideranças menores, como deputados e vereadores, para que estes reproduzam a pergunta tendo o presidente como destinatário. Se não quiser ser visto como corrupto, Bolsonaro terá que responder.