PORQUE NÃO FALEI DE FLORES
Eu gostaria de falar de flores, poesia e sabores, mas Bolsonaro não deixa. Pois é, meus caros habitantes do Brasil, o nosso digníssimo aprontou mais uma das suas peripécias. Ontem, alterou o decreto que estabelece quais são as atividades essenciais no período de quarentena e inseriu a barbearia, o salão de beleza e a academia na lista. Achei de uma coerência magnífica. A justificativa de que são atividades complementares à promoção da saúde e higiene foi por demais apropriada. Não fosse pelo detalhe da sua definição vir do Palácio do Planalto e do Ministério da Economia, sem qualquer consulta ao Ministério da Saúde ou técnicos da área, seria perfeita.
Pelo jeito Bolsonaro resolveu testar o seu Ministro da Saúde. Fez a mudança no decreto sem avisar e deixou que a surpresa ficasse por conta dos jornalistas em uma entrevista coletiva. Teich passou no teste com louvor. Escancarou o seu caráter meramente figurativo, deu sinais de demência explícita (ou desfaçatez), sem em momento algum elevar o tom ao ponto de parecer insubordinação ou ousadia. Comportou-se como os militares gostam. Fez as vezes do soldado subserviente e sem capacidade cognitiva para qualquer reação. Palmas para o Teich.
Voltando às novas atividades essenciais, reforço a coerência que vi nas escolhas feitas pelo presidente. Vamos pensar. Quais os serviços realmente essenciais a oficiais reformados do Exército Brasileiro? Cortar os cabelos, aparar a barba e fazer alguma atividade física para manifestar uma certa altivez. Ora, temos um governo de militares, ou seja, trata-se de um país governado para quem tem como prioridade aquilo que na percepção deles é essencial. Seria estranho se lutassem pela reabertura de bibliotecas ou laboratórios de pesquisa.
Bolsonaro e sua turma têm essa qualidade inquestionável: a coerência. O conjunto atende sempre aos preceitos que defendeu ao longo da vida: total falta de apreço à democracia (o autoritarismo é sempre o que conduz suas ações), negação a qualquer tipo de pensamento que seja amparado no saber científico (quanto mais a ciência for negada, melhor para esconder a sua incapacidade como gestor) e desprezo pelos seres humanos e pela vida (as Forças Armadas Brasileiras abriram mão do pensamento humanista na década de 30. Segundo os oficiais da época, “colocar gente como prioridade era um perigo à nação”).
Ontem, tivemos mais um episódio que reafirma tudo isso. Por um lado, fico feliz, porque talvez Bolsonaro seja o primeiro exemplo de um político coerente com aquilo que sempre foi. Por outro, fico imensamente triste, o que me impede de falar de coisas boas, principalmente quando lembro que ele foi escolhido pelo voto da maioria de um povo (algo que além de legitimar o cargo que ocupa, evidencia que a maioria fez opção pelos os mesmos valores). Antes que alguém diga que votou nele para combater a corrupção, aviso logo: conta outra. As milícias e os corruptos acompanham Bolsonaro ao longo da vida. Ainda pode ter quem diga: mas os militares estão com ele para conter a corrupção!
O melhor a fazer é revisitar a história. Foram esses militares que compraram oito usinas nucleares e só receberam uma, dos mesmos alemães que até outro dia desviavam recursos do metrô de São Paulo. Podemos contar também absurdos como a Transamazônica e milhares de exemplos de corrupção, sem que fosse permitida qualquer apuração. Bastava soletrar a primeira sílaba contestando para o pau cantar.
Tem um lado bom nessa história? Claro que sim. As pessoas com o mínimo de senso humanitário perceberam a aposta errada que fizeram. O arrependimento é um sentimento nobre, melhor ainda se servir para provocar reações. Mostra ausência do orgulho e instinto de sobrevivência acima de tudo. Aos que continuam cultivando seu Genocida Favorito, resta fazer cara de paisagem como Teich, deixar o queixão cair, olhar para os lados e, se der de cara com um algum dos honestos integrantes do Centrão, seja gentil, dê um sorriso. Bolsonaro irá gostar.