Foi excessiva a punição contra Wallace de Souza, atleta de vôlei do Cruzeiro e da Seleção Brasileira, imposta pelo Conselho de Ética do Comitê Olímpico Brasileiro?
Alguns pontos precisam ser observados.
O primeiro é sobre a amplitude do esporte na sociedade. Vemos Wallace como um atleta de ponta. Um profissional do esporte que trabalha para levar seu time ao topo. Logo, podemos dizer que Wallace é um competidor. Mas quando um pai matricula seu filho numa escolinha esportiva, será que ele pensa primeiramente em disputas, vitórias e conquistas do filho? Do jeito que as pessoas competem entre si, diria que provavelmente sim, mas invariavelmente, seja qual for o motivo da matrícula da criança em uma escolinha esportiva, outros benefícios em decorrência do esporte virão. Além do desenvolvimento físico, dos ganhos em saúde, a criança passa com a vivência do desporto a ter mais disciplina, organização, compromisso, ética com seus pares, e ainda aprende na prática a perder e a ganhar, pois nem só de vitórias é composta a vida.
Faço esse pequeno arrodeio para dizer que Wallace de Souza, além de atleta, é também exemplo para as gerações mais jovens, assim como todo atleta profissional. Ser “exemplo”, no entanto, não o coloca numa categoria de ser humano superior, tampouco ele deve ser mais cobrado que outros profissionais por qualquer deslize, mas é fato que estar em evidência pela condição de ser um atleta de ponta faz com que crianças e jovens o tenham como exemplo e possam se inspirar nele. Dessa forma, seu comportamento fora de quadra importa, e para além do que já é previsto no Código Criminal, um atleta também pode ser punido no âmbito esportivo devido a condutas que não sejam condizentes com o esporte.
Também é importante ressaltar que atletas têm vida própria, direito a individualidade, e respondem por seus atos. Exatamente por isso o que fazem fora dos campos, quadras, ringues, impacta tanto na sua imagem junto ao público. Por mais conquistas que tenha alcançado na carreira, Novak Djokovic jamais terá o mesmo status de ídolo de Roger Federer após a polêmica decisão de não se vacinar contra covid-19 no auge da pandemia. Diferentemente do suíço Federer, que tem um histórico sem qualquer arranhão, o sérvio Djokovic enfrentou uma crise diante da opinião pública. Não se vacinar é um direito, e em defesa dele o tenista enfrentou consequências, como não participar de torneios em países que exigiam o passaporte de vacinação. Crime seria se ele falsificasse um cartão de vacinação, mas aí é outra história.
No caso de Wallace, houve uma incitação ao assassínio de um presidente da República. Não vou nem citar qual seria a reação em um país com leis nacionalistas mais duras. Imagino que um atleta de ponta dos Estados Unidos que incitasse a morte do presidente Joe Biden seria preso antes mesmo que o caso ganhasse ampla repercussão. Na França, por muito menos o atacante Karim Benzema teve as portas da seleção nacional de futebol fechadas para ele ao longo de anos.
Vivemos num país que trata o que é gravíssimo e pode causar impactos sociais de forma inversamente proporcional a questões de ordem íntima e que não configuram crime. Um exemplo? Ronaldo Fenômeno, quando foi pego com dois travestis após um programa, virou pauta nacional. A mídia transformou em escândalo algo que nem era crime, tampouco dizia respeito a ninguém além dos envolvidos. A vida sexual de um atleta não o torna melhor ou pior exemplo para as gerações que nele se inspiram. O problema com Ronaldo foi de ordem puramente moral, e com moralismo o Brasil tem dificuldades.
Voltando ao caso de Wallace, a pena na verdade não foi de cinco anos, mas de 90 dias. A ampliação da punição se deu após a desobediência do atleta. Se nem dentro do universo regido pelo esporte ele consegue obedecer as regras, qual exemplo mesmo dá a quem o segue?
Cinco anos de punição é o mínimo. E que sirva de exemplo.
Coluna publicada originalmente na edição impressa do Jornal A União de 5 de maio de 2023.