Nunca havia ido ao festival Lollapalooza, variados foram os motivos. A última vez que tive muita vontade de ir, quando Arctic Monkeys, minha banda preferida da vida, veio ao Brasil, abri mão de ir porque era boba e na época tinha um namorado que não me acompanharia. Esse ano quando vi o line up com Black Pumas (outra banda que a-m-o) decidi que iria de qualquer forma. O 3° e último dia do evento tinha as seguintes atrações do meu interesse: Black Pumas, Marina Sena, Martin Garrix, Gloria Groove e Foo Fighters.
Infelizmente o baterista do Foo Fighters, Taylor Hawkins, teve uma morte precoce aos 50 anos no dia dia anterior ao show da banda, por provável overdose e foram chamados artistas para ocupar o palco no encerramento da noite, foram eles: Marcelo D2 e Planet Hemp, Emicida, Racionais MC’s, Criolo, Mano Brown e outros. Eles fizeram um show que me surpreendeu demais, positivamente com colocações políticas muito pertinentes no cenário atual do Brasil e do mundo, foi um show incrível. O Planet Hemp relembrou o momento em que a banda foi presa por apologia às drogas nos anos 90 por um juiz que até hoje ganha uma pensão bem gorda após sua aposentadoria compulsória.
Achei interessante terem convidado o Planet Hemp para tocar devido à morte de um baterista por overdose. No dia ainda não era uma notícia oficial a causa da morte, mas todos sabiam. O Planet Hemp levanta a bandeira da cannabis medicinal e da legalização das drogas, o que é muito coerente com o ocorrido. O uso consciente da maconha aproveitando seus benefícios médicos e a descriminalização das drogas, que causaram a morte do baterista, são duas faces da mesma moeda: precisamos cuidar e tratar a saúde mental da população. O abuso de drogas é um evento comum em pessoas em depressão ou com outros transtornos de saúde mental. O baterista era provavelmente apenas usuário (não comercializava), ele morreu e era branco. Os que morrem geralmente são pretos. A demonização das drogas marginaliza a comunidade negra e periférica. O branco é o usuário, o preto é o “bandido”, “traficante”. Quantos pretos são assassinados para cada branco usuário que morre?
Nesse show eu tive uma participação especial da qual nunca esquecerei. No intervalo de uma música para outra, comecei a gritar “ei Bolsonaro, vai tomar no cu”, a plateia foi se unindo a mim e logo virou um grandíssimo desejo uníssono de que o atual presidente fosse tomar nas pregas do orifício anal. Logicamente a galera do palco acompanhou nosso momento fervoroso. Grande dia. Grande show.
No dia anterior, após a apresentação da maravilhosa Pabllo Vittar, em que ela correu com uma toalha que estampava o presidente Lula, Bolsonaro e sua trupe de patetas entraram com um pedido de proibição às manifestações políticas no Lolla, alegando campanha política antecipada. Esse pedido é absurdo, visto que configura clara censura, mas não é uma surpresa. De fato é esperado e congruente. É claro que uma galera que homenageia torturador e defende a volta da ditadura militar é pró censura. O presidente Bolsonaro foi absolutamente coerente com seu projeto de governo, nesse momento: trazer de volta ao país o AI-5 e acabar com a liberdade de expressão do povo.
O pedido foi acatado por um ministro (condecorado pelo presidente ano passado e que visa uma vaga mais alta no STF ano que vem) e assim foi feita a censura ao festival. Interessante é que o ministro achou que o Lolla estava promovendo campanha eleitoral antecipada, mas não achou que o Bolsonaro o fez nas inúmeras situações em que o mesmo fez motociata, evento político e colocou outdoor nas ruas além de outras formas de campanha política que são citadas no Jornal de Casa n° 84.
Mas a galera pró AI-5 não contava com a astúcia do governo Bolsonaro. Algum dos cérebros pensantes do governo (pasmem) fez o pedido com o CNPJ de uma outra empresa que nada tem a ver com o festival, logo, o pedido de censura não teria efeito. No dia seguinte após o fim do festival, o TSE revogou a proibição às manifestações alegando que o partido do presidente desistiu da ação pois a considera contra a liberdade de expressão (risos). Ainda bem que a gente não se calou em nenhum momento, frente a nenhuma censura. E aí vai: EI BOLSONARO, VAI TOMAR NO CU!!!!
O Lollapalooza é um festival da esquerda, concluo eu. Lá, as pessoas são livres para expressarem suas identidades de gênero e orientações sexuais. São livres também para usarem as roupas que quiserem e serem quem são, sem julgamentos. Por incrível que pareça isso é coisa da esquerda, deveria ser o normal do mundo, mas as pessoas ainda não estão prontas para essa conversa. Não vi briga ou confusão nenhuma nas mais de 10 horas seguidas de show em que estive lá. A polícia era apenas decorativa e ainda bem!
O festival acontece no autódromo de Interlagos, uma área de milhares de metros quadrados, só pra entrar eu tive que andar aproximadamente 1 hora para chegar ao palco do show que queria ver. Nesse dia, a previsão era de 90% de chuva, mas teve uma leve garoa apenas. Mesmo assim, deu pra perceber as marcas da lama dos dias anteriores, aparentemente o local fica caótico quando chove.
Os locais para alimentação e bebidas são muito distantes, os vendedores ambulantes não deram conta da demanda e tive dificuldade para comprar água. Além disso, também estava em falta gin e comidas nas barracas. Acho que os organizadores do evento deixaram muito a desejar nos serviços oferecidos. Os banheiros químicos eram lamentáveis, além de muito distantes.
Um festival desse porte, com um ingresso com esse preço não pode ter um serviço tão ruim assim, é inadmissível. Uma pessoa que tenha qualquer restrição de locomoção ou que tenha necessidades específicas para banheiros e alimentação não é atendida com dignidade no Lollapalooza. Mesmo pagando caro pelo ingresso e mesmo sendo serviços de alimentação e bebidas pagos, faltou, acabou antes da hora. Isso é inaceitável. Fiquei decepcionada nesse aspecto. Me criei no São João de Campina Grande e nunca me faltou bebida e comida por lá, ambos os eventos, porém, precisam melhorar muito no quesito acessibilidade. Apesar disso, os shows foram incríveis, tiveram atrasos aceitáveis. Sobre a parte da produção dos shows não tenho do que reclamar.
Agora quero contar uma coisa que aconteceu antes do Lolla: a treta da minha roupa. O meu namorado não aceitava a roupa que escolhi para usar no Lolla, disse que eu estava me expondo demais. Achava que o que eu visto estava em discussão, queria que eu mudasse a roupa como prova de que me importava com a opinião dele. Quando eu disse que não ia fazer isso, ele disse: “ah é? Então se você faz o que quiser, eu vou fazer também.” Disse ele: o homem branco, bonito, hétero, padrão… como se na vida inteira dele ele já não fizesse o que quer e a sociedade aplaudisse, como se ele tivesse tido alguma vez algum problema com críticas e restrições às roupas que usa. Como se as lutas de uma mulher para ter direito a vestir o que quiser possam ser comparadas a liberdade que ele tem para se vestir.
Detalhe é que minha roupa não era tão ousada assim, tinha gente vestindo roupas muito mais irreverentes do que a minha e estavam lindxs, inclusive já vou copiar os looks para os próximos festivais. No meu corpo e na minha roupa ninguém tem o direito de impor regras.
Ele não entendeu minimamente que a mulher tem que ter coragem e lutar para ter o direito de vestir a roupa que quiser, porque vai ter um monte de gente criticando, vai ter gente dizendo que ela está pedindo para ser estuprada, vai ter outros dizendo que está indecente, que mulher que se dá ao respeito não se veste assim… são inúmeros os comentários e consequências que uma mulher passa por usar a roupa que se sente bem e que a faz feliz. Será que alguma vez na vida ele precisou pensar nas consequências antes de escolher uma roupa? Acredito que não.
No mês de março, em que uma moça foi estuprada e assassinada aqui em João Pessoa só por exercer seu direito de ter um encontro amoroso, vi meu namorado, agora ex, se achando no direito de escolher a roupa que eu ia vestir no Lollapalooza e ainda fazendo insinuações péssimas como a de que eu não iria ao festival apenas para me divertir, mas que ia porque queria traí-lo. Até quando os homens vão achar que são donos de nós e dos nossos corpos?
Ah, uma grande vontade dele era a de que eu o mencionasse em algum texto, tá aí. Fui para o Lollapalooza solteira e não beijei uma boca sequer porque eu queria ir só para ouvir as músicas que eu gosto, dançar, cantar, estar com meus amigos e me divertir, mesmo usando uma roupa colada e decotada. A roupa era para que eu me sentisse bonita, para que eu me sentisse bem e não pelos motivos vazios que ele achava, até porque quem quer trair não precisa de festival nem de roupa como desculpa.
Ele ainda me disse para ir tratar minhas ansiedades, porque já que eu faço só o que quero, ele vai fazer também. Eu faço só o que quero mesmo e todo mundo deveria fazer também (obviamente, desde que não faça mal a outros). Errado não é eu fazer o que quero da minha vida e do meu corpo, errado é um homem achar que tem o direito de dizer a uma mulher o que fazer com seu corpo só por estar na posição de seu namorado.
Esse discurso de “trate suas ansiedades” é muito infeliz. Sim, eu tenho ansiedade patológica, faço tudo que está ao meu alcance para lidar com ela: atividade física regular, dieta, terapia, meditação, medicação… minha vida, ultimamente, tem girado em torno de cuidar da minha saúde física, mas principalmente da mental e ele sabia disso. Sabia tanto e ainda fez pouco caso. Seguirei me tratando e tratando minha saúde mental, não por ele, mas por mim. No fim das contas, entre o boy e a roupa decotada, eu fico, e sempre ficarei, com a roupa decotada.
Agora estou satisfeitamente solteira e me dei conta de que muitas mulheres que conheço que são inteligentes, feministas, lindas e engraçadas estão solteiras. Não porque não teve um cara que as “suportasse”, como cresci ouvindo na bolha machista em que fui educada, mas porque elas não aceitam mais não serem tratadas com liberdade e respeito e muitos homens não estão preparados para tratar as mulheres da forma que merecem. E como diz o meme: gostoso demais beijar uma boca que grita FORA BOLSONARO.
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Beijos!