O cálculo da maioria das agências de trânsito orbita entre estudar a diferença do custo operacional e a receita proveniente das tarifas sobre os usuários. Quando o custo é menor que a receita, evidentemente, o negócio é lucrativo, entretanto, na maioria das cidades desenvolvidas, essa conta é deficitária. Por essa razão, não raramente, os serviços de transporte público são subsidiados parcial ou totalmente.
Os defensores do uso de carros nas cidades geralmente advogam contra o subsídio dos transportes de massa argumentando que já existem demasiados impostos sobre os veículos privados, o que faria com que o “jogo” entre os modos não estivesse justo, porém, é consenso mundial que os privilégios dos carros, como as vastas áreas da cidade com estacionamento na rua gratuitos, impactos relacionados aos diversos tipos de poluição que não são contabilizados aos usuários e o custo de dependência junto aos países produtores de petróleo, são fatores que evidenciam uma nítida preferência a esse modo em detrimento dos transportes públicos.
Esse fato inflama uma discussão cada vez mais presente nos discursos políticos a nível global e nacional, que defende um alto subsídio nas passagens de transportes urbanos, chegando, em muitos casos, ao caso ideal, que seria a “tarifa zero”.
É importante frisar também que a discussão sobre a estrutura tarifária dos transportes públicos é complexa e com diversos agentes interessados, entretanto, nos encontramos hoje na iminência de um colapso da mobilidade urbana, onde os transportes privados estão ocupando todos os lugares das cidades, em adição a uma diminuição contínua no percentual de usuários dos sistemas de transporte público e a existência de uma conjuntura econômica onde as famílias brasileiras estão gastando até 20% de sua renda com itens relacionados ao transporte urbano. Esse cenário fortalece a ideia de revitalizar o interesse ao transporte público por meio da introdução da “tarifa zero” universal.
Remover a tarifa torna a cidade mais justa para a população de baixa renda, pois retira o peso colossal que os transportes têm na economia familiar, garantindo acesso aos diversos outros direitos que, vale salientar, são muitas vezes negados, já que essas pessoas não têm garantia de chegar aos locais sem que haja um custo. Há evidências, também, que a “tarifa zero”, quando proposta junta a uma melhoria contínua na frequência das linhas e na qualidade do serviço, pode aumentar o número de usuários em até dois dígitos percentuais, o que seria essencial para a revitalização das cidades e para o desafogar dos congestionamentos que existem hoje. Outro ponto importante é que o dinheiro que seria utilizado pela população na tarifa é redirecionado para outras áreas da economia municipal, o que impulsiona o comércio e a iniciativa privada.
Contudo, chegamos ao ponto principal: como financiar essa iniciativa?
Hoje, no Brasil, de acordo com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), 103 cidades têm projetos de tarifa zero universal (sete dias na semana) ou em um determinado dia. Dentro desses exemplos, as mais diversas formas de subsídio existem, desde o uso de royalties provenientes do petróleo a fundos municipais. É necessário, notoriamente, criatividade e diligência para criar estruturas de financiamento de projetos “tarifas zero”. Uma das propostas que mais agrada o autor desse texto é a criação de uma taxa de mobilidade urbana, similar à contribuição de luz pública, onde todos os moradores da cidade contribuem para o sistema. Digo isso pois onera quem utiliza direta e indiretamente os serviços de transporte público, e faz com que aqueles que nunca entrarão em um ônibus e se beneficiam de menos carros nas ruas, participem do financiamento do sistema. Ainda, existem exemplos internacionais, como São Francisco, nos Estados Unidos, que propôs uma introdução de uma taxa variável entre 1% e 3% do valor das corridas dos transportes por aplicativo para fundear subsídios diretos aos transportes públicos na cidade. Esse e outros exemplos podem ser analisados para aplicação mediante uma adequação à realidade de nossa cidade.
Todavia, é digno de destaque que a implementação da “tarifa zero” não se configurará como a panaceia capaz de solucionar integralmente as questões de mobilidade em João Pessoa. Como aprendemos com a cidade de Talín, capital da Estônia (cuja medida, apesar de vista com bons olhos nos primeiros anos, não alcançou os resultados esperados e, entre os anos de 2013 e 2023, a cidade experienciou um declínio de 10% no número de passageiros dos transportes públicos), propor o subsídio total das passagens sem que haja um foco no serviço oferecido, movendo as pessoas para os principais pontos de interesse com boa frequência e concomitantemente, exercendo políticas para reduzir o uso do carro privado, pode gerar uma reação contrária, resultando na perda de interesse nos usuários e depreciação da percepção pública sobre o tópico.
Não obstante, pode-se aprender com experiências nacionais que obtiveram êxito, como Maricá, a qual foi a primeira cidade com mais de 100 mil habitantes a operacionalizar essa política e cuja aplicação da “tarifa zero” funciona há uma década, ultrapassando a barreira do subsídio somente para ônibus e também oferecendo-o para bicicletas.
Vale salientar que a discussão da “tarifa zero” universal ou em específicos aspectos é, hodiernamente, um dos principais pontos de ruptura no pensamento de como estabelecer uma cidade mais justa, por isso, naturalmente, será de suma importância na eleição municipal de 2024. Como supracitado, a aplicação dessa medida e conjunto com uma melhor administração técnica do sistema é de interesse da sociedade, por isso, nos resta questionarmos: quem terá coragem de falar o que precisa ser dito e quem tem medo da “tarifa zero”?