Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
Jornalista, fotógrafo e consultor. Mestre em Computação, Comunicação e Artes pela UFPB. Escreve desde poemas a ensaios sobre política. É editor no Termômetro da Política e autor do livro infantil "O burrinho e a troca dos brinquedos". Twitter: @gesteira.
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Racismo ao quadrado
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(Foto: Reprodução)

O mundo assistiu estarrecido ao episódio de ódio contra o atacante brasileiro Vini Jr., que atua na liga espanhola defendendo a camisa do Real Madrid. Na partida contra o Valencia, no último domingo (21), o jogador foi vítima de mais um gravíssimo episódio de racismo, talvez o oitavo somente nesta temporada. Muito provavelmente não terá sido o último, e vale ressaltar que todos acontecem sob a conivência dos atores e gestores partícipes da competição, incluídos aí árbitros, cartolas e também atletas.

Vini Jr. não foi o primeiro atleta brasileiro de futebol a sofrer racismo na Europa. A história recente registra ofensas racistas contra Roberto Carlos, Neymar, Taison, Dentinho, Malcom. Até o paraibano Hulk já sofreu racismo. O caso do ex-lateral direito do Barcelona, Daniel Alves, foi emblemático: a torcida adversária atirou contra ele uma banana na beira do campo, ele descascou e comeu.

Na última segunda-feira, dia seguinte ao ataque racista contra Vini Jr., o nome de Daniel Alves era um dos termos mais comentados na rede social digital Twitter. Não à toa, visto que a discussão sobre racismo estava em alta e ele fora vítima em outro momento, porém no mesmo país, do mesmo ato abjeto e criminoso.

Imaginava eu que os comentários em torno de Daniel Alves eram apenas para trazer à tona o episódio de racismo contra o ex-lateral. Enquanto autoridades brasileiras buscavam punição, espanhóis se manifestavam nas redes para atacar novamente Vini Jr. usando Daniel Alves como “exemplo” de como um atleta deve reagir a um ataque racista.

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Tão grave ou pior que um ataque racista é a tentativa de justificar o racismo, ou apontar erro da parte que quem sofre racismo, como se a culpa fosse da vítima e não do agressor. Também não foi a primeira vez que espanhóis apontaram Vini Jr. como “provocador”. A própria imprensa esportiva da Espanha costuma afirmar que ele provoca os adversários, e por mais de uma vez Vini Jr. foi apontado por, segundo os jornais espanhóis, “se vitimizar”. É racismo ao quadrado.

Nos comentários que usam Daniel Alves como exemplo, o vídeo do brasileiro interrompendo a cobrança de escanteio para comer a banana é publicado ao lado de textos sobre como se deve reagir ao racismo. Outros craques negros também foram citados, e na maioria dos comentários Vini Jr. é apontado como algoz em vez de vítima. Também, em sua maioria, os comentários são proferidos por homens brancos.

Nada justifica o racismo. Nada.

Quem comete o crime de racismo deve ser preso e julgado conforme a lei em seu país. Infelizmente o rigor na Espanha contra crimes de ódio está longe de se equiparar ao que indica a legislação brasileira. O Brasil cobra respostas. Poucos já foram identificados e presos, talvez somente pela repercussão deste último episódio, visto que até o presidente da liga espanhola vinha fazendo pouco caso dos ataques contra Vini Jr. Enquanto o esporte como um todo continuar sendo permissivo diante de tais atos, todos perdemos no que diz respeito às garantias fundamentais de dignidade e direitos humanos.

Não eram apenas sete racistas, era um estádio inteiro gritando, vibrando e urrando após a injustificável expulsão do brasileiro. Se o país não enfrenta o racismo com seriedade, é preciso que o esporte o faça, e o âmbito esportivo, ainda que incipiente para garantir o respeito, é ideal para sufocar a prática e reprimir aqueles que se julgam superiores pela cor da pele. A perda de pontos para o time que tem racistas em sua torcida é o mínimo a ser aplicado, e já se mostrou prática eficaz para contornar outras questões em campo. No papel, a Fifa diz que já recomenda. Falta pôr em prática.

*Coluna publicada originalmente na edição impressa de 26 de maio de 2023.

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