Graduado em Letras e Direito e mestre em Organizações Aprendentes pela UFPB
Graduado em Letras e Direito e mestre em Organizações Aprendentes pela UFPB
ads
Regionalização da saúde: uma necessidade
Compartilhe:
(Foto: Jacky Czj/Flickr)

A partir da minha convivência por mais de vinte anos com temas relacionados à saúde pública do nosso país, inclusive no papel tanto de gestor federal quanto de gestor municipal, tomo a iniciativa de escrever as linhas seguintes sobre a regionalização em saúde, espelhando práticas, experiências, leituras e vivências nos mais diversos ambientes que fazem o Sistema Único de Saúde – SUS, especialmente aqueles que tecem as relações interfederativas e de controle social. E, ainda, muito focado na relações interpessoais de meus colegas de trabalho nos meus dois últimos anos e leituras mais detidas da Constituição Federal, decretos que tratam da regionalização em saúde, compêndios do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde – CONASEMS e do livro “Nordeste: A força da diferença” de Ricardo Ismael.

De entrada, precisamos pincelar um pouco sobre o mundo no qual estamos metidos. E esse mundo, e o nosso país não se exclui, testemunha as fragilidades dos Estados-nacionais que passam por uma crise, entre outras coisas, calcada na dificuldade de financiamento das políticas públicas, especialmente os sistemas públicos de saúde (investimentos em saúde pública insuficiente); no descolamento entre a formulação dessas políticas e os seus resultados (abismo entre formuladores e executores); e, na ausência de reconhecimento por parte dos beneficiários diretos dessas mesmas políticas (carência de legitimidade popular/cidadã). 

Na busca de superação desse cenário, no caso brasileiro, se faz necessária a definição de prioridades, que respeitem a etimologia desta palavra, ou seja, prioridade vem do latim prior, que significa ter atenção primeira em relação comparativa a algo. Priorizar a saúde pública significa dizer que a mesma terá tratamento diferenciado em relação às demais políticas; e dentro da política pública de saúde, definir as prioridades que não podem ser muitas, sob pena de se perderem na banalização do termo prioridade. Isso se faz necessário para que essa prioridade, a saúde pública, caiba na capacidade de financiamento e gere resultados quase imediatos com fins de ter a legitimidade por parte da sociedade, especialmente seus beneficiários diretos. E, nesse sentido, a regionalização na saúde pública pode vislumbrar uma possibilidade de melhor financiamento que obtenha resultados para a população e incorporação de novas tecnologias, gerando legitimidade social, porque cria escala, amplia acesso e se aproxima do usuário.

A nossa Constituição Federal é marcada pela ambiguidade do federalismo brasileiro. Pois, de um lado, promove a descentralização com intuito de fortalecer as unidades subnacionais (estados-membros e municípios), num claro movimento de descentralização para fortalecer impulsos de desenvolvimento e de autonomia de baixo para cima. E, por outro lado, promove, também, a regionalização a partir do ente federal que faz movimentos centralizados, no sentido do desenvolvimento das regiões menos favorecidas e buscando a diminuição das desigualdades regionais. Essa ambiguidade se evidencia em 13 (treze) artigos da Carta Magna que tratam de 5 (cinco) temáticas sobre a regionalização que vai dos objetivos da República, passando pelos princípios da ordem econômica, planejamento regional, incentivos fiscais e mecanismos de transferência constitucionais, todavia se verificou insuficiente para a efetivação de políticas públicas que pudessem propiciar o desenvolvimento dos territórios regionais. 

Dessa maneira, precisamos superar essa ambiguidade própria do federalismo brasileiro numa perspectiva de que não haja uma supremacia dos modelos de desenvolvimento regional com disparidades que gerem confronto de um modelo em relação ao outro, para tanto os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS e seus normativos que dizem respeito à regionalização em saúde e ao planejamento regional integrado, bem como diversas iniciativas de regionalização em saúde pelo Brasil afora, podem contribuir como instrumentos de reorganização dos serviços de saúde a partir de um território regional. 

Clique aqui para ler todos os textos de Adalberto Fulgêncio

Grosso modo, a Regionalização em Saúde pode ser considerada como a busca ou a instrumentalização da melhor disposição e distribuição técnica e espacial dos serviços, visando cobertura e acesso da população às ações de saúde, com máxima eficiência institucional e social (CONASEMS, Brasília, 2019, p.24). Enquanto que a Região de Saúde (RS), conforme estabelecido no Decreto 7508/2011, é o espaço geográfico constituído por agrupamento de municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transporte compartilhados. Já a Macrorregião de Saúde corresponde ao espaço regional ampliado, composto por uma ou mais regiões, e seus respectivos municípios. Deve ser organizada no sentido de garantir uma maior governança das Redes de Atenção à Saúde (RAS) e ser de fato uma base do planejamento e orçamentação ascendente (CONASEMS, Brasília, 2019, p.26). 

Uma macrorregião de saúde não se constitui num estalar de dedos, para tanto se faz necessário identificar as suas premissas a partir do desenho de seus laços históricos, culturais e econômicos, a fim de definir um território contíguo e uma população residente e circulante que possa propiciar ganho de escala para o sistema de saúde. Alinhando-se a uma sede que possua as condições de ofertar os serviços de saúde em suas diversas redes de atenção e que tenha possibilidade de desenvolvimento de tecnologias. A isto, deve-se somar a uma capacidade de formação de pessoal em saúde e no manuseio de seus equipamentos e sua manutenção, atentando-se para as novas tecnologias incorporadas, propiciando uma gestão de pessoas e de processos de trabalho que levem ao desenvolvimento de uma rede regionalizada de serviços de saúde.

Para tanto, a macrorregião requer uma infraestrutura viária e comunicacional que suporte o fluxo e o dinamismo dos serviços de saúde, seus profissionais e seus usuários, regulada por uma central de regulação da assistência que garanta o acesso aos serviços no âmbito da macrorregião. Mas isso tudo deve estar fundado em um financiamento suficiente dos três entes que estão pactuados e regionalizados, dando-lhes autonomia para aplicação dos recursos, inclusive de forma discricionária, quando necessária e justificada. Como se percebe, está intrínseco à regionalização o desenvolvimento da confiança entre as esferas regionalizadas, à capacidade de integração, à prática colaborativa e à cooperação institucional, aliado à participação social.

Como dito antes, não será num estalar de dedos que se regionalizará uma política pública de saúde, respeitadas as premissas anteriormente faladas, ressaltamos as dificuldades de sua efetiva implementação, haja vista que aquilo que chamamos de região e macrorregião em saúde ainda é uma abstração para a grande maioria dos gestores públicos e usuários, acrescido do estilhaçamemto dos serviços de saúde e consequentemente da perda de escala, dificultando o gerenciamento, o acesso e aumento do custo. Esse quadro se agrava quando as centrais de regulação são inexistentes e as disputas político-partidárias locais dão mais ênfase ao município do que à região e à macrorregião. Isso tudo, agravado pela reconhecida insuficiência de recursos.

Todavia, para superar esses desafios podemos trilhar pelo aumento gradativo e diversificação do financiamento, fortalecendo e dando maior autonomia às instâncias descentralizadas regionais numa perspectiva de efetivar o processo de regionalização, regulando-os, conforme as diretrizes do sistema e baseado em valores de compartilhamento. Abrir-se e preparar-se para se adaptar às mudanças tecnológicas, incorporando-as, se trona imperativo. Como também, ousar na constituição de ambientes e espaços de pactuação a partir da negociação das necessidades reais dos territórios e dos usuários.

A solução dos principais problemas de um sistema de saúde com as características do SUS, numa federação tripartite, com cinco biomas e uma população com mais de 210 milhões de habitantes, dos quais 80% são seus dependentes, numa variedade de gentes, territórios e demandas de serviços, dificilmente será dada sem considerar uma centralidade na oferta de serviços e na assistência à saúde que não seja a partir de uma base territorial definida regionalmente, otimizando recursos, ampliando acesso, estimulando desenvolvimento tecnológico e formando pessoas. E, especialmente, definindo prioridades relacionadas às necessidades dos usuários, que caibam numa mão (cinco prioridades), haja vista a crise fiscal que dificulta o financiamento das políticas públicas; o abismo entre sua formulação e os seus resultados; e, a falta de legitimidade sócio-política. Por fim, afirmamos que um território regionalizado requer a prática de valores que desenvolvam a integração, a cooperação, o compartilhamento, a negociação, a adaptabilidade e a convivência com novas tecnologias, absorvendo as diversidades mais que as diferenças. Desenvolva a confiança entre gestores, profissionais de saúde, fornecedores e usuários, trazendo para o centro do debate as lideranças legitimadas pelo voto popular.

Compartilhe:
Palavras-chave
saúdesus