A eleição para presidente do Brasil em 2018 foi um episódio inédito na história. O país vinha de um período de grande instabilidade desde 2013, passou por uma eleição tumultuada em 2014, foi palco de operações policiais espetaculares, com destaque para a Lavo Jato que tentou definir os destinos político e econômico dos brasileiros, com base em convicções, moralismo e a serviço de interesses empresariais externos.
Até chegar as eleições em 2018, o Brasil teve todo seu setor produtivo desmontado, com os principais grupos empresariais envolvidos nos processos da Lava Jato. O que parecia uma ação de apuração e punição à corrupção, serviu para destruir empregos, barrar investimentos, favorecer especuladores e entregar setores estratégicos à corporações internacionais.
Os aplausos que muitos deram a turma de Dalagnol e Moro era uma demonstração de sandice, quem aplaudia era parte dos prejudicados. Existe corrupção no Brasil e nas relações entre governo e empresários, isso é fato. Não é um fenômeno brasileiro, a corrupção é parte do custo que o capitalismo transfere para sociedade. Em muitos países parte dela é institucionalizada, como nos Estados Unidos, que adota o lobby como prática legal.
Mas na hora que empresas passam a fazer parte da sociedade, como era o caso de todos os grandes grupos brasileiros com capital aberto, não se pode confundir os gestores corruptos com as empresas. Temos que lembrar que o fundo de pensão do trabalhador investiu em papéis dessas companhias. Quando se destrói uma Odebrecht, milhões de pessoas irão perder mesmo sem ter nada a ver com a corrupção praticada. O estrago decorrente do ativismo judicial desconsidera o contexto social.
Imagine se o grupo Volkswagen tivesse sido destruído em decorrência do escândalo internacional por fraude na emissão de poluentes nos carros das suas marcas, descoberto em 2015. Os gestores foram presos e a empresa penalizada. Foram cobradas indenizações e compensações ambientais muitas vezes maiores que as sofridas pela Odebrecht. Em momento algum foi noticiado que o grupo seria o mais corrupto do mundo? A punição dos seus dirigentes não comprometeu o andamento das atividades, muito menos o juiz e os promotores foram alçados a qualidade de popstars. Houve perda especulativa, mas não uma destruição que certamente iria prejudicar milhões de pessoas na Alemanha e no mundo.
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Mas nada disso foi debatido nas eleições em 2018. Após a Lava Jato destruir as bases econômicas do país, trabalharam para concluir o serviço de desmonte com o apoio a Bolsonaro. Reforçaram a pauta de que o pleito seria um plebiscito entre corruptos e não corruptos. Além disso, o debate identitário teve destaque e deixou religiosos conservadores à vontade para defenderem Bolsonaro com muito afinco. Afinal, probidade não é o forte dos neopentecostais.
Entre bravatas sobre a honestidade do bolsonarismo e bandeiras conservadoras, conduziram a campanha para presidente sem sequer a possibilidade de uma arguição mais contundente, já que o candidato passou todo período hospitalizado, após levar uma facada durante evento em Juiz de Fora.
O direito de ficar calado serviu para que a defesa de Bolsonaro fosse feita por uma massa de seguidores do lavajatismo, pastores conservadores, empresários alheios a sociedade (muitos sonegadores) e agentes do Estado, que se apropriaram da coisa pública por meio de concursos, passaram a ter um candidato oficial: o legítimo representante de uma elite privilegiada.
Esse grupo achou mais importante debater a implantação do kit gay e a prisão de Lula, do que os reais problemas que o Brasil teria para enfrentar após toda desordem que foi construída desde 2013, passando pela Lava Jato e o golpe que tirou Dilma da presidência e empossou Michel Temer.
Passaram um cheque em branco para Bolsonaro e estabeleceram que o importante era derrotar o PT, independentemente do que poderia vir. A candidatura de Haddad e a imprensa também embarcaram na pauta bolsonarista. O debate sobre kit gay, ideologia de gênero, machismo e racismo foram priorizados. Temas importantes, mas que o embate era sempre de ordem moral, em contraposição a fake News, o que deixava os seguidores do “Mito” à vontade para o defenderem com muita ênfase.
Para as próximas eleições Bolsonaro será obrigado a sair do armário e se expor a temas que antes passava tangente, mas que agora são de sua inteira responsabilidade. Não terá mais uma facada como desculpa para ficar fora dos debates e entrevistas. Os temas de ordem moral que sempre priorizou estão mais que cansados. Nem fazer arminha irá lhe render alguma adesão. Corrupção é outro tema que terá que fazer de conta que nunca ouviu falar.
No seu palanque estarão Waldemar da Costa Neto, Roberto Jeferson, Eduardo Cunha, Fernando Collor de Mello e mais uma série de figuras ilustres, que acumulam quilômetros de denúncias e processos. Bolsonaro que é um verdadeiro gênio das finanças pessoais junto com seus filhos, terá que explicar os motivos da economia brasileira em frangalhos, com inflação e câmbio descontrolados, endividamento recorde das famílias, renda média cada dia menor e milhões de pessoas passando fome.
Será tarefa difícil explicar, mesmo com uma pandemia, que o Brasil voltou para o mapa da fome, mas os lucros dos bancos e estatais nunca foram tão altos. Dizer que pegou o país quebrado não surtirá efeito, diante de todos os rombos gerados nas contas públicas durante o Governo Bolsonaro. Apenas a PEC dos Precatórios, a PEC Kamikaze, a antecipação de lucros e dividendos das estatais e o orçamento secreto somam mais de 180 bilhões de reais destinados para cobrir medidas de cunho eleitoreiro sem qualquer responsabilidade com as contas públicas.
Se colocarmos a privatização da Eletrobras nessa conta somamos mais 100 bilhões em benesses e vantagens que serão destinadas para amenizar o desgaste de Bolsonaro em decorrência dos constantes aumentos nas contas de energia, além de favorecer amigos empresários do setor.
A irresponsabilidade de Bolsonaro é absoluta para tentar minimizar a avaliação negativa do seu governo. A rejeição verificada nas pesquisas mostra que será quase impossível sucesso na reeleição. Mas até para a possibilidade de golpe é necessário diminuir a insatisfação da população, como forma de equilibrar a opinião pública.
Bolsonaro não tem mais como se esconder na hora que for questionado sobre os temas que a população mais busca respostas. Muito menos poderá fazer uso de decretos centenários de sigilo para encobrir desmandos e abusos que comete.
A farsa que montou apoiada por favorecidos, preconceituosos e ignóbeis não será mais suficiente para dar respostas aos problemas do Brasil. O miliciano que faz arminha, propaga violência, mas vive de falar em Deus precisará de um milagre para ganhar as eleições. Fora isso, só resta aceitar a derrota ou preparar um golpe.