O 25 de abril é a principal data do calendário em Portugal. Marca a comemoração da Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura de Salazar, uma das mais duradouras, com 48 anos. Tive a sorte de estar por lá mais uma vez nesse dia e sentir de perto as emoções que a data carrega.
Em outros anos, o clima era de festa. Lembro de quando participei da Corrida da Liberdade, em 2016, e das comemorações na área central de Lisboa. Sempre me chamou atenção o orgulho dos portugueses em comemorar a democracia e reafirmar a luta contra o fascismo. O grito de guerra: “25 de abril sempre” afirma que a luta é constante.
Esse ano o tom não era o mesmo. Portugal passa por momentos difíceis. Existe uma crise na habitação, o povo está mais pobre, os jovens buscam perspectivas em outros países e o fascismo avança em meio a esse cenário. Basta verificar que nas últimas eleições o Chega, partido de extrema-direita, foi o que mais cresceu e já soma cinquenta cadeiras no parlamento português. Algo antes inimaginável.
Mesmo assim, como diria Chico Buarque: “foi bonita a festa, pá”. Porque apesar de um momento de retrocesso a grande maioria dos portugueses continua a fazer questão de reafirmar os valores que nortearam o 25 de abril de 1974. Bem diferente do que verificamos no Brasil, onde os setores democráticos estão acuados. Calaram em relação ao golpe de 1964, quando todas as manifestações foram canceladas, além de o presidente Lula enterrar o projeto do Museu da Memória e dos Direitos Humanos.
Incomoda ver o Brasil refém dos conservadores. A forma como a luta política tem sido travada não aponta para valores, mas apenas para uma polarização burra e um discurso desqualificado de ataque ao bolsonarismo, que serve mais para atiçar os fascistas do que para fortalecer os que defendem a democracia.
O foco tem sido se sustentar no poder por um placar apertado, mesmo que represente perdas conceituais que deveriam ser inaceitáveis. Temo, ainda, que as concessões feitas só sirvam para que o fascismo cresça e 2026 reserve uma péssima surpresa, com o retorno das crias do bolsonarismo à presidência do Brasil.
Não só por isso, mas também pela aparente falta de rumo que o governo demonstra. Tem um ditado nordestino que diz: “quem não tem rumo é rumado”. Por muitas vezes é essa a sensação que tenho em relação ao atual Governo Lula. Falta núcleo dirigente. Existe um conjunto de ministros que vivem de propagar ufanismo nas redes e agirem como influenciadores digitais sem competência para tal e, claramente, destoantes do papel institucional que cumprem. Poderia adicionar a isso, a ingerência de outros atores, como se o governo fosse uma extensão das relações pessoais.
Para completar, a gestão da economia é feita com um telescópio, que mistura ricos e pobres e apresenta números macroeconômicos que servem apenas para mascarar a realidade da grande massa. E não me venham com argumentos pouco críveis, como dizer que 24 milhões de brasileiros deixaram de passar fome. Não existiu nenhuma política pública que justifique esses dados. Isso é tratar as pessoas como imbecis que aceitam tudo que é jogado na mídia. Se diziam que o Brasil tinha 30 milhões de pessoas em insegurança alimentar, qual foi o passe de mágica que aconteceu para desaparecerem os famintos, se as calçadas e os sinais de trânsito mostram o contrário? Os ganhos financeiros para os pobres foram insignificantes.
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O certo é que temos um governo de centro-direita, que prioriza acordos com os conservadores e uma economia liberal. Usa números como o crescimento do PIB a base do agronegócio e propaga a redução do déficit às custas do contingenciamento de recursos para as áreas sociais. Do que adianta nota no rating de agências internacionais, se os indicadores não se refletem no cotidiano dos pobres e dos setores médios?
Agronegócio serve para latifundiários. Não gera emprego, não distribui riqueza, não aumenta a arrecadação, degrada o meio ambiente e aumenta a concentração de renda. A política liberal de Haddad repercute muito bem entre os banqueiros e especuladores que sempre querem mais, mas ficam tranquilos com a certeza que o estado terá lastro para garantir seus lucros.
Pois, em pleno Dia do Trabalhador a resposta veio de maneira espontânea. Lula se queixou do tamanho da claque que foi montada. Antes de passar carão nos seus ministros, poderia ter pensado que o mesmo público que ele esperava lhe aplaudindo no evento organizado pelas centrais sindicais, foi aquele que foi privado de se manifestar pela democracia e relembrar os valores do combate à ditadura.
Sempre brinquei que gostava muito de Portugal, porque foi o único país que o Brasil colonizou. Essa era a sensação que tinha, principalmente durante a era Lula/Dilma, que servíamos de inspiração para os portugueses, seja na política como na cultura. As pessoas queriam saber como era o programa Minha Casa Minha Vida, como o governo estava conseguindo expandir esse direito, que é o maior problema dos portugueses. O Lula de 2002 tinha a aura revolucionária que alimenta os utópicos.
Dessa vez, o atual governo Lula não tem gerado qualquer curiosidade. Mesmo reconhecendo as condições difíceis no Congresso Nacional, fica claro que a falta de ousadia em relação ao enfrentamento político local passa a impressão de acomodação de interesses. O Lula que ainda se admira em Portugal é o internacional, que defende com altivez os direitos humanos e acusa o governo israelense de genocida. Não é mais aquele que estabeleceu novos paradigmas para enfrentar a pobreza no Brasil e peitava os conservadores.
Torço para que a condução política no Brasil seja revista. É hora de perceber que não se sustenta a democracia com dubiedade e uma postura reticente. Se o fascismo avançou em Portugal, o povo reage porque os valores foram cultivados. O Lula é o líder, não pode hesitar e acabar por ceder aos caprichos dos militares, para depois querer que lhe aplaudam no primeiro de maio. Sugiro respirar os ares do 25 de abril, o cheirinho de alecrim pode ajudar.