“Não há nada mais humanitário, social, político, ético e espiritual que saciar a fome dos pobres da Terra”. Em Terra Madura: uma teologia da vida (Planeta, 2023, 160p.), o teólogo e filósofo Leonardo Boff faz verdadeiro chamamento para uma nova forma de viver no planeta. O autor considera o atual modo de vida e consumo como insustentável. Da maneira como os seres humanos seguem “comendo o mundo”, sob princípios regidos pelo capitalismo e voltados para o acúmulo acima da necessidade, em breve não haverá onde se viver.
Em um texto profundo, porém escrito de forma leve, Boff expõe o esgotamento da Mãe Terra e as consequências dessa “extorsão”: aquecimento global, extinção das espécies, perda de fertilidade do solo e desertificação são apenas alguns dos exemplos. Num tom corajoso, o autor põe o dedo na ferida ao culpar a humanidade pelo definhamento do planeta em virtude do consumo em excesso. “O ser humano é o satã da Terra, e não o seu anjo da guarda”, avalia.
Apesar de apresentar-se como uma obra voltada para a temática do meio ambiente, Terra Madura é um livro sobre política. Além de responsabilizar os modos de consumo do capitalismo, Leonardo Boff não tem receio de personificar culpados. Ele aponta os graves danos à sociedade causados por governos de extrema direita e orientação fascista, como exemplo os casos da Hungria, Filipinas e Polônia. Sobre o Brasil governado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Boff dá ênfase e pontua ameaças autoritárias contra a Constituição e as instituições de Estado.
O livro é dividido em três partes: Ética Política, Ecologia Integral e A Vida do Espírito. No entanto, em toda a obra há política, meio ambiente e espiritualidade. Na segunda parte, por exemplo, ao tempo em que propõe um regime de “planetização” em vez de globalização, ressalta a importância do reconhecimento e defesa da Terra nas Constituições de Equador e Bolívia, colocando estes dois países na vanguarda da política internacional.
Ao longo de todo o texto são feitas menções às encíclicas do papa Francisco, Fratelli tutti (3 de outubro de 2020) e Laudato si (24 de maio de 2015), nas quais o pontífice destaca a urgência da defesa da natureza para que seja possível a vida na Terra, sobretudo defendendo também a redução das desigualdades sociais por entender o acesso a terra, água e alimentos como necessidades básicas para todas as pessoas.
A coragem em demarcar crimes é uma marca na obra. Leonardo Boff classifica como genocídio infligido pelos invasores as mortes de 70 milhões de representantes dos povos originários. E apesar de homem branco e cristão, ele reconhece nos europeus o colonialismo e a imposição da religião branca.
A terceira parte do livro traz diversas citações da Bíblia, mas o tom se mantém ecumênico ao abordar a vida no espírito como uma apropriação de bens não tangíveis: o amor, a amizade; e ainda sobre a energia de resistência dos povos originários, um “axé divino”. De volta a Bolsonaro, Boff afirma que o ex-presidente da República é a representação do anticristo.
Por se tratar de um texto com viés religioso, diversas ponderações a respeito da relação do homem com o divino e a natureza são plenamente aceitáveis. O autor escorrega ao dizer reiteradas vezes que a pandemia de covid-19 foi uma reação da Terra contra a humanidade, pois implica uma negativa à ciência, mas sob a justificativa do credo, tudo é pleno.