O governador de São Paulo, João Doria, entrou em campanha para presidência no dia seguinte a sua eleição. Após protagonizar uma das mais folclóricas dobradinhas nas eleições em 2018, conhecida como BolsoDoria, nem deixou a poeira baixar já expôs sua ambição em chegar ao cargo político mais importante do Brasil.
Doria sempre se gabou de ser empresário. Vendeu a ideia de novo ritmo, com gestão eficiente e um estilo midiático, recheado de firulas e frases de efeito. Teve uma ascensão meteórica, foi eleito prefeito de São Paulo e nem esquentou a cadeira já renunciou para disputar o Governo do Estado. Pegou carona na negação à política promovida pelo lavajatismo e, assim como em outros estados importantes, venceu as eleições, mesmo envolvido em polêmicas de ordem moral, como o vídeo que vazou com mulheres no motel.
Pode-se dizer que Doria é uma versão anos 2000 de Fernando Collor de Mello, que começou na política como prefeito biônico de Maceió, anos depois foi Governador de Alagoas, suposto caçador de marajás, e eleito presidente do Brasil sem absolutamente nenhuma qualificação, baseado apenas no discurso falso moralista e uma agenda liberal que agradava o mercado e a classe média iludida.
Doria tenta reeditar esse roteiro com novas nuances e uma conjuntura diferente da que lhe conferiu sucessos eleitorais em 2016 e 2018. Como prefeito de São Paulo não tem algo relevante para exaltar. Sua curta gestão ficou marcada pela perseguição aos mais pobres, como a expulsão de desabrigados e usuários de drogas das ruas paulistanas, sem apresentar programas sociais que acolhessem esse público. Para o então prefeito, essa parcela da sociedade deveria ser banida, como se não fossem gente e parte das responsabilidades do poder público.
Como governador, Doria tem para colocar no seu currículo a postura no período inicial da pandemia e o investimento para produção da vacina Coronavac. Certamente, sem a vacina produzida pelo Butantã a covid-19 teria feito ainda mais mortes, diante da omissão do Governo Federal que retardou a vacinação.
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Fora isso, Doria tem pouco ou nada que justifique postular a vaga de Presidente da República. Como prefeito e governador não conseguiu apresentar nada de alternativo aquilo que dizia ser problema no Estado Brasileiro. Foi muita pirotecnia sem resultados efetivos. Apesar de estar no estado mais rico do Brasil, não foi capaz de se diferenciar no momento de crise e sua baixa popularidade lhe tirou o status de candidato natural do PSDB. Tanto é assim, que seu partido abriu um processo de prévias eleitorais, com Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-senador Arthur Virgílio para escolha dos filiados.
Doria não vive seu melhor momento. O PSDB também não. O projeto neoliberal que defendiam não serve mais como baliza. Agora, ambos padecem no limbo da política, em decorrência dos caminhos tortuosos que trilham desde 2014. Perderam as eleições com Aécio Neves, não aceitaram o resultado e optaram por manobras antidemocráticas para voltar ao poder, como foi o impeachment de Dilma. Para completar, abraçaram o lavajatismo e apoiaram Bolsonaro no segundo turno em 2018.
Esse é o currículo que Doria tentará apagar para mostrar alguma viabilidade como candidato a Presidente da República. Apesar de se propor a resolver os problemas do Brasil, não fez o dever de casa na Prefeitura e Estado de São Paulo. Porém, o pré-candidato mostra que seu vazio é ainda maior. Nesse processo de prévias que disputa no PSDB, a falta de conhecimento dos problemas nacionais e suas particularidades regionais ficaram ainda mais evidentes.
Apesar de filho de baiano, Doria não conhece o Brasil para além da Faria Lima. Em sua visita ao Nordeste para defender a candidatura a presidente distribuiu frases cansadas como soluções para o desenvolvimento da região. Chegou a usar o exemplo de Dubai, nos Emirados Árabes, como se a região desértica servisse de parâmetro e as condições econômicas alguma similaridade. Para deixar escancarada sua falta de senso, protagonizou em Guarabira, no interior da Paraíba, um momento patético, quando perguntou aos presentes no evento que discursava: “Quem daqui já foi a Dubai?”. Tivesse um pouquinho de “desconfiometro”, saberia que a pergunta não fazia qualquer sentido.
Doria ainda não percebeu que o papel de almofadinha bravateiro não cabe em todas as situações e a validade já expirou. Como empresário e gestor sempre foi dos que defenderam o protecionismo a São Paulo. Mesmo antes de entrar na política, atacava programas de desenvolvimento econômico destinados as regiões Norte e Nordeste, a exemplo da Zona Franca de Manaus e de incentivos para implantação de empresas e infraestrutura no Nordeste.
O governador de São Paulo sempre foi adepto da lógica que o Brasil pobre é um problema de quem está inserido nas regiões de pobreza. Como pretenso candidato a presidente deveria entender que não é justo tratar diferentes como iguais e florear a desigualdade, como se fosse apenas uma questão de iniciativa. Esquece ele que os bilhões de dólares do petróleo de Dubai proporcionaram ostentar riqueza, mas não serviram a um projeto de nação, não formaram uma democracia e não é parâmetro para erradicação da pobreza.
Apesar de não esperar de João Doria demonstrações de sensibilidade, humanismo e conhecimento da realidade brasileira, poderia tratar com menos desdém o país que não conhece. Sua passagem pela Paraíba mostra como ele e os semelhantes enxergam o Nordeste e o Brasil pobre. Num país que voltou ao mapa da fome, quem não entender que precisamos de uma solução urgente e a desigualdade é o maior problema, melhor comprar uma passagem pra Dubai ou outro paraíso fabricado. Pra presidente não serve.